Amados irmãos e irmãs
O poeta sueco Tomas Tranströmer foi agraciado na passada quinta-feira com o Nobel de Literatura. Nascido em 1931, Tranströmer também é tradutor. A Academia Sueca afirmou no seu site que o poeta de 80 anos foi lembrado "porque, através de suas imagens condensadas, translúcidas, ele nos dá um novo acesso à realidade".
O escritor sueco sucede o peruano Mario Vargas Llosa, vencedor do prémio no ano passado. A academia lembra no comunicado sobre o autor, publicado no site da instituição que, em 1990, Tranströmer sofreu um derrame que o deixou com bastante dificuldade de falar.
Tomas Tranströmer escreve sobre a morte, a história, a memória e é conhecido pelas suas metáforas. É um poeta que tem uma produção pequena, "não é prolixo", disse no final do anúncio o secretário da Academia, o historiador Peter Englund, embora esteja traduzido em várias línguas. Em Portugal, Tranströmer tem poemas publicados em duas antologias, uma delas chama-se "Vinte e um poetas suecos" (Vega ,1987).
A mãe de Tranströmer, Helmi, era professora de uma escola e o pai, Gösta Tranströmer, um jornalista. O escritor cursou estudos em História da Literatura, Poética, História da Religião e Psicologia na Universidade de Estocolmo, adquirindo o título de bacharel em Artes, informa a academia no seu comunicado. Chegou a trabalhar como psicólogo num instituto correccional para jovens.
Após veicular poemas em vários jornais, Tranströmer publicou em 1954, o seu primeiro livro intitulado "17 poemas". Com as suas selectas de poesias posteriores, foi consolidando o nome como um dos principais poetas da actualidade, aponta a academia no seu comunicado. A entidade destacou que a maior parte da poesia do sueco se caracteriza pela economia, pela concretude e por metáforas pungentes. O autor já foi traduzido em mais de sessenta línguas, e periodicamente elabora ele mesmo versões dosseus poemas em outras línguas, lembrou a academia.
Apenas um poema de Tranströmer teria sido traduzido no Brasil, "Poemas Haikai", que tem 11 estrofes. Essa tradução está na colecção "Poesia Sempre", da Fundação Biblioteca Nacional, número 25, só com trabalhos da Suécia. A tradução é de Marta Manhães de Andrade. Segue abaixo um trecho do "Poemas Haikai": “Os fios elétricos/estendidos por onde o frio reina/Ao norte de toda música/ O sol branco/treina correndo solitário para/
a montanha azul da morte/Temos que viver/com a relva pequena” e o riso dos porões”.
Aqui outras pequenas e belas poesias do grande nobel de literatura.
PÁSSAROS MATINAIS
Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta que como foi caluniado
até na Direcção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.
(1966)
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.
Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, más ténues que fumo de cachimbo.
(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.
Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).
(1954)
DESDE A MONTANHA
Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão.
«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.
«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.
Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.
(1962)
A ÁRVORE E A NUVEM
Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.
(1962)